O silêncio me invade.
Me corta a carne como quem se anuncia na esquina com uma lâmina fina escondida entre os dentes.
Ele vem à espreita em cada árvore, em cada galho que parece assustador em sua sombra.
Nas flores que ao entardecer ganham outras formas.
Nos cipós, que com o cair da noite, viram correntes ao se arrastar.
O silêncio me espreita.
Ele me olha com mansidão e, ao mesmo tempo, com voracidade.
Eu hesito em ir ao seu encontro, nessas noites sem nome nem padrão.
Não sei o que esperar.
Há fogo, há lua, mas eles não são capazes de me arrancarem o silêncio do peito.
Ele crepita na fogueira, vira brasa, mas não cinzas, porque é vivo e não cessa.
O silêncio me toma.
Ele me possui por inteiro, como uma roupa, que não sai do meu corpo enquanto não cumprir sua função.
Ele me cansa, porque dói.
Esse encontro profundo,
Silêncio e Eu,
Que no fundo sou Eu e Eu,
Porque o silêncio sou Eu Comigo.
O silêncio me encontra,
me encontro.
Me vejo, me re-conheço.
Me descubro um tanto.
Me desconheço.
A noite, o silêncio, eu e o escuro
Eu, e me escuto
Eu, sem escudo.
O silêncio me salva.
Ainda há medo.
Não há escuro sem medo,
é do humano em mim.
Torno-me ainda mais humana
quando sou mais escuro,
quando sou mais silêncio.
Quando admito o silêncio em mim.
O silêncio me faz ser.
E então eu sou. Apenas sou.
Sou em silêncio, e é justamente aí que sou totalmente eu.